Bolsonaro troca silêncio por dubiedades e sinaliza seguir no jogo
Para entender o sucinto pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), na tarde desta terça-feira (1º), é preciso compreender – ou lembrar -, o estilo de fazer política do candidato derrotado na tentativa de reeleição, no último domingo (30).
Antes, vale o registro do mais audível: apesar da dubiedade, de que trataremos mais adiante, 1: o presidente não contestou o resultado das eleições; 2: escalou um de seus ministros para startar a transição.
Interpretações alternativas
Dito isso, vamos aos poréns – com Bolsonaro, sempre há. Ele chamou os atos criminosos nas rodovias Brasil afora de “movimentos populares” e os associou à “indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”.
Ora, isso é Bolsonaro na veia! Houve intencional confusão entre fatos e entre conceitos. O presidente misturou verdades com inverdades, para seguir condimentando o caldo que alimenta o bolsonarismo.
Foi isso, exatamente, o que vimos nos últimos quase quatro anos. Ao fundir significados, dando margem a interpretações alternativas e verdades subjetivas, joga-se um véu sobre a realidade. Essa é a base do bolsonarismo.
Fake news
Os efeitos da insanidade ideológica já estão acontecendo. Nas últimas horas, grupos, listas e perfis em redes sociais foram inundados com fake news. Uma das desinformações relata a anulação das eleições de 2022.
Noutra fake, teria havido a decretação da prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Em setembro de 2021, no famigerado discurso do dia 7, circulou a desinformação de que estaria em curso um golpe de estado. À época, muitos bolsonaristas choraram, de tanta euforia.
Ou seja, Bolsonaro e o bolsonarismo jogam com a imprecisão, de onde extraem a verdade conveniente.
Não à toa, a metralhadora verbal sempre é apontada para a imprensa profissional e a Justiça, instituições que buscam ter na objetividade fática a base de suas atuações.
O que faltou
No discurso, Bolsonaro não seguiu o script – o que surpreendeu ninguém. Ele agradeceu aos mais de 58 milhões de votos, mas não reconheceu, textualmente, a derrota.
O presidente derrotado também não citou o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocasião em que poderia tê-lo saudado pelo resultado e lhe desejado boa sorte.
Aí também seria demais. A oposição política sempre vai torcer contra. Ou isso ou está querendo ser cooptada. Nesse ponto, direita e esquerda se igualam.
Mas Bolsonaro tentou se diferenciar, ao pregar “o direito de ir e vir” da população e que “manifestações pacíficas são bem-vindas”.
Cálculo político
Bolsonaro pode até mesmo ter calculado o silêncio que se seguiu nas quarenta horas após o resultado eleitoral. Sem trocadilho, o Brasil quase parou, por causa dos bloqueios.
Nesse sentido, o tempo jogou a favor do presidente perdedor. Mesmo pressionado, Bolsonaro exerceu liderança sobre os bolsonaristas. Isso é sabido por todo o Brasil.
Tanto isso é verdade que o pronunciamento presidencial, mesmo eivado de dubiedades, aliviou a tensão e, associado a medidas legais e policiais, está desobstruindo as rodovias do País.
Não se sabe até onde os seguidores estariam – ou estarão -, dispostos a ir nem em que medida outros movimentos de levantes seguirão latentes, pelos próximos meses e anos.
Vêm aí atos solenes alusivos ao presidente eleito, a exemplo da diplomação, no dia 19 de dezembro próximo, e posse, no dia 1º de janeiro de 2023.
Isso é bolsonarismo
A maioria recorda como o presidente atua. Ele estica a corda ao limite, para depois recuar; comete ilegalidades, mas fala em agir nas quatro linhas.
O atual presidente da República estimula seguidor, mas se isola e condena quem se excede; nos últimos dias, investiu no silêncio, para depois gerar muitos ruídos.
E arrematou: “A direita surgiu, de verdade, em nosso País”.
Esse é o Bolsonaro. Isso é bolsonarismo.